Por muito tempo, Lola João, uma menor de 15 anos, viveu um mundo embaçado, quase sem cores ou formas definidas. O lacrimejo constante, a dor nos olhos e a dificuldade para enxergar faziam parte do seu dia-a-dia, o que lhe afastava das coisas de raparigas da sua idade, como das brincadeiras, aulas e até dos sorrisos espontâneos.
Nas páginas de um caderno, as letras e os números não passavam de sombras que ela estava sem capacidade para decifrar. Nos rostos familiares, faltavam detalhes que só quem vê, plenamente consegue apreciar.
A visão de Lola era tão limitada que, sem saber, aprendeu a se adaptar a um mundo que lhe negava a clareza. Os dias da menor eram marcados por uma luta silenciosa. A cada passo na escola, tropeços.
A cada tarefa, em casa, frustrações. As dores nos olhos vinham acompanhadas de lágrimas que pareciam carregar o peso de uma infância roubada pela escuridão gradual. A família, preocupada com a saúde da menina, decidiu buscar ajuda.
E foi no Instituto Nacional de Oftalmologia (IONA), em Luanda, que o primeiro passo rumo à luz foi dado. No dia 19 de Janeiro do ano transacto, Lola João chegou ao Instituto, carregando nos olhos a tristeza de quem enxergava apenas 10% do que deveria ver.
A médica, Solange Sinadinse, especialista em Oftalmologia Pediátrica e Estrabismo, lembra com clareza do caso. “A visão dela estava muito baixa, equivalente a 0,1 nos dois olhos. Ela tinha lacrimejo constante e dores oculares, que já dificultavam muito a sua vida”, recorda.
Após uma avaliação inicial, foi detectado que Lola sofria de catarata nos dois olhos, uma condição incomum para menores, mas que pode ocorrer devido a factores hereditários, traumas ou mesmo sem causa aparente.
A confirmação veio por meio de exames mais detalhados, e a médica sabia que uma intervenção cirúrgica seria a única solução para devolver à menina a possibilidade de enxergar o mundo com nitidez. Os meses seguintes foram de preparação cuidadosa.
Lola passou por exames pré-operatórios e, em Novembro de 2023, enfrentou a cirurgia que mudaria a sua vida. “Foi um processo desafiador, mas os resultados foram animadores. Hoje, ela recuperou 80 por cento da visão sem óculos, e acredito que, com os óculos, chegaremos a 100 por cento”, revelou Solange Sinadinse, emocionada.
Além do sucesso no caso de Lola, a médica aproveita para alertar sobre a importância da avaliação oftalmológica regular, espe- cialmente em menores. “A catarata é uma das principais causas de consultas pediátricas aqui no Instituto Nacional de Oftalmologia.
Os factores podem variar, desde causas genéticas até traumas com objectos contundentes e pontiagudo. Por isso, é essencial que os pais fiquem atentos aos sinais, como assistir à televisão muito próximo, dores nos olhos, lacrimejo frequente e dificuldade visual.” Entre as complicações pós cirurgia, a médica citou o desenvolvimento de uma infecção (endoftalmite), opacificação da lente intaocular (catarata secundária), que podem resultar em diminuição da visão.
A pressão do olho pode aumentar muito, e se não for tratada, pode levar ao glaucoma, ou deslocamento do implante. Hoje, Lola João redescobre o mundo com olhos brilhantes e cheios de vida.
As letras nos cadernos agora têm formas, os rostos familiares recuperaram os detalhes e o futuro da menina, antes turvo, ganhou cores e nitidez. Este caso é um lembrete de que a saúde ocular é fundamental para que crianças como ela possam viver plenamente e conquistar os seus sonhos, como salienta a médica Solange Sinadinse.
Problemas oftalmológicos em crianças
Entre Julho e Dezembro de 2024, o Instituto Nacional de Oftalmologia recebeu crianças com uma ampla gama de problemas oftalmológicos, que vão além da catarata, doença que levou um total de 1004 pequenos ao IONA, somando assim, 8170 casos, com outras patologias.
De acordo com os dados disponibilizados pela médica, Solange Sinadinse, foram registados 1772 casos de ametropia (erros refrativos que incluem miopia, hipermetropia e astigmatismo), 2225 casos relacionados com transtornos da conjuntiva, que podem ser as infecções (conjuntivites).
Outros diagnósticos chamaram atenção, como estrabismo (702 casos), glaucoma pediátrico (583 casos), problemas de retina (165 casos), tumores oculares (261 casos) e traumatismos diversos (831).
A especialista em Oftalmologia Pediátrica e Estrabismo destacou, ainda, 131 casos de transtornos visuais e cegueira, ao explicar que o termo abrange, desde dificuldades severas de visão até a perda total, o que exige acompanhamento especializado. Também foram contabilizados 31 casos de problemas no nervo óptico, 413 relacionados a transtornos da córnea, 196 da órbita (área ao redor do olho) e 95 associados à úvea (camada média do olho).
Esses números, disse, reflectem a diversidade de condições oftalmológicas tratadas no Instituto e ressaltam a necessidade de atenção contínua à saúde ocular das crianças em Angola.
“A visão é um dos sentidos mais importantes para o desenvolvimento infantil. Cada caso que tratamos representa a possibilidade de devolver às crianças uma vida mais plena e feliz. Por isso, reforçamos o apelo aos pais: fiquem atentos aos sinais e levem os filhos para avaliações regulares”, apelou a médica.